segunda-feira, 29 de março de 2010

cecília meireles, cavalos.

eu li hoje um poema lindo da cecília meireles, chamado ""Romance LXXXIV (dos Cavalos da Inconfidência)". estava até dizendo pra um amigo hoje que eu fui obrigada a ler esse livro da cecília, intitulado de romanceiro da inconfidência, e lembro que detestei. ninguém pode obrigar a gente a ler poesia...
hoje li esse poema e fiquei pensando nos cavalos. como eu gosto deles. só lembrava de cavalos assim quando a clarice lispector mencionava...

"Romance LXXXIV (dos Cavalos da Inconfidência)"

Eles eram muitos cavalos, ao longo dessas grandes serras,
de crinas abertas ao vento, a galope entre águas e pedras.
Eles eram muitos cavalos, donos dos ares e das ervas,
com tranqüilos olhos macios, habituados às densas névoas,
aos verdes prados ondulosos, às encostas de árduas arestas,
à cor das auroras nas nuvens, ao tempo de ipês e quaresmas.


Eles eram muitos cavalos
nas margens desses grandes rios
por onde os escravos cantavam
músicas cheias de suspiros.

Eles eram muitos cavalos
e guardavam no fino ouvido
o som das catas e dos cantos,
a voz de amigos e inimigos,
- calados, ao peso da sela,
picados de insetos e espinhos,
desabafando o seu cansaço
em crepusculares relinchos.



Eles eram muitos cavalos,
- rijos, destemidos, velozes -
entre Mariana e Serro Frio,
Vila Rica e Rio das Mortes.

Eles eram muitos cavalos,
transportando no seu galope
coronéis, magistrados, poetas,
furriéis, alferes, sacerdotes.
E ouviam segredos e intrigas,
e sonetos, liras e odes:
testemunhas sem depoimento,
diante de equívocos enormes.



Eles eram muitos cavalos,
entre Mantiqueira e Ouro Branco
desmanchado o xisto nos cascos,
ao sol e à chuva, pelos campos,
levando esperanças, mensagens,
transmitidas de rancho em rancho.

Eles eram muitos cavalos,
entre sonhos e contrabandos,
alheios às paixões dos donos,
pousando os mesmos olhos mansos
nas grotas, repletas de escravos,
nas igrejas, cheias de santos.



Eles eram muitos cavalos:
e uns viram correntes e algemas,
outros, o sangue sobre a forca,
outros, o crime e as recompensas.

Eles eram muitos cavalos:
e alguns foram postos à venda,
outros ficaram nos seus pastos,
e houve uns que, depois da sentença
levaram o Alferes cortado
em braços, pernas e cabeça.
E partiram com sua carga
na mais dolorosa inocência.



Eles eram muitos cavalos.
E morreram por esses montes,
esses campos, esses abismos,
tendo servido a tantos homens.

Eles eram muitos cavalos,
mas ninguém mais sabe os seus nomes
sua pelagem, sua origem...
E iam tão alto, e iam tão longe!
E por eles se suspirava,
consultando o imenso horizonte!
- Morreram seus flancos robustos,
que pareciam de ouro e bronze.



Eles eram muitos cavalos.
E jazem por aí, caídos,
misturados às bravas serras,
misturados ao quartzo e ao xisto,
à frescura aquosa das lapas,
ao verdor do trevo florido.
E nunca pensaram na morte.
E nunca souberam de exílios.

Eles eram muitos cavalos,
cumprindo seu duro serviço.
A cinza de seus cavaleiros
neles aprendeu tempo e ritmo,
e a subir aos picos do mundo...
e a rolar pelos precipícios...

Um comentário:

  1. Lindo poema. Cecília, Clarice... ah esse vínculo com os cavalos, a gente se identifica!

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