eu li hoje um poema lindo da cecília meireles, chamado ""Romance LXXXIV (dos Cavalos da Inconfidência)". estava até dizendo pra um amigo hoje que eu fui obrigada a ler esse livro da cecília, intitulado de romanceiro da inconfidência, e lembro que detestei. ninguém pode obrigar a gente a ler poesia...
hoje li esse poema e fiquei pensando nos cavalos. como eu gosto deles. só lembrava de cavalos assim quando a clarice lispector mencionava...
"Romance LXXXIV (dos Cavalos da Inconfidência)"
Eles eram muitos cavalos, ao longo dessas grandes serras,
de crinas abertas ao vento, a galope entre águas e pedras.
Eles eram muitos cavalos, donos dos ares e das ervas,
com tranqüilos olhos macios, habituados às densas névoas,
aos verdes prados ondulosos, às encostas de árduas arestas,
à cor das auroras nas nuvens, ao tempo de ipês e quaresmas.
Eles eram muitos cavalos
nas margens desses grandes rios
por onde os escravos cantavam
músicas cheias de suspiros.
Eles eram muitos cavalos
e guardavam no fino ouvido
o som das catas e dos cantos,
a voz de amigos e inimigos,
- calados, ao peso da sela,
picados de insetos e espinhos,
desabafando o seu cansaço
em crepusculares relinchos.
Eles eram muitos cavalos,
- rijos, destemidos, velozes -
entre Mariana e Serro Frio,
Vila Rica e Rio das Mortes.
Eles eram muitos cavalos,
transportando no seu galope
coronéis, magistrados, poetas,
furriéis, alferes, sacerdotes.
E ouviam segredos e intrigas,
e sonetos, liras e odes:
testemunhas sem depoimento,
diante de equívocos enormes.
Eles eram muitos cavalos,
entre Mantiqueira e Ouro Branco
desmanchado o xisto nos cascos,
ao sol e à chuva, pelos campos,
levando esperanças, mensagens,
transmitidas de rancho em rancho.
Eles eram muitos cavalos,
entre sonhos e contrabandos,
alheios às paixões dos donos,
pousando os mesmos olhos mansos
nas grotas, repletas de escravos,
nas igrejas, cheias de santos.
Eles eram muitos cavalos:
e uns viram correntes e algemas,
outros, o sangue sobre a forca,
outros, o crime e as recompensas.
Eles eram muitos cavalos:
e alguns foram postos à venda,
outros ficaram nos seus pastos,
e houve uns que, depois da sentença
levaram o Alferes cortado
em braços, pernas e cabeça.
E partiram com sua carga
na mais dolorosa inocência.
Eles eram muitos cavalos.
E morreram por esses montes,
esses campos, esses abismos,
tendo servido a tantos homens.
Eles eram muitos cavalos,
mas ninguém mais sabe os seus nomes
sua pelagem, sua origem...
E iam tão alto, e iam tão longe!
E por eles se suspirava,
consultando o imenso horizonte!
- Morreram seus flancos robustos,
que pareciam de ouro e bronze.
Eles eram muitos cavalos.
E jazem por aí, caídos,
misturados às bravas serras,
misturados ao quartzo e ao xisto,
à frescura aquosa das lapas,
ao verdor do trevo florido.
E nunca pensaram na morte.
E nunca souberam de exílios.
Eles eram muitos cavalos,
cumprindo seu duro serviço.
A cinza de seus cavaleiros
neles aprendeu tempo e ritmo,
e a subir aos picos do mundo...
e a rolar pelos precipícios...
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Lindo poema. Cecília, Clarice... ah esse vínculo com os cavalos, a gente se identifica!
ResponderExcluir